QUEM MENTE ENGANA A SI MESMO
publicado
em recortes
por Marcel Camargo
“As mentiras são como os muros: elas poderão de início até nos proteger,
mas inevitavelmente também nos isolarão, inclusive de nós mesmos, a ponto de
não mais nos reconhecermos.”
Vivemos
num mundo de aparências, no qual tentamos vender imagens, com o propósito de
passarmos a impressão de que oferecemos tudo aquilo de que o outro necessita,
seja no mercado de trabalho, na vida amorosa, nos encontros entre amigos,
familiares, seja nas redes sociais. Vestimos roupas e máscaras, usamos este ou
aquele linguajar, elogiamos ou denegrimos, somos favoráveis ou opositores, de
acordo com a ocasião, de acordo com os interesses e intenções previamente
planejados, para que mantenhamos nosso emprego, nosso casamento, nossas
amizades, ou nosso twitter politicamente correto.
Nesse
compasso, muitas vezes vamos tentando agradar a todo mundo – vã utopia -, a
despeito do que somos, desejamos, queremos ou pensamos. Torna-se cada vez mais
difícil, aliás, sermos nós mesmos, uma vez que quase ninguém tem a capacidade
de tolerar pensamentos diferentes. Somos agredidos e ridicularizados, caso
contrariemos os pontos de vista alheios – pois é, o bullying permanece pela
vida adulta.
Hoje,
estamos cada vez mais expostos, por conta do mundo virtual, e aquele que ousa
ser ele mesmo muitas vezes paga um preço muito alto, que lhe custa julgamentos
avassaladores por parte da sociedade. Reerguer-se, nesses casos, é doloroso e
impossível para alguns, o que desencoraja a maioria a lançar-se nessa batalha
corajosa e vital de autoafirmação e de posicionamento transparente frente ao
mundo.
É
impossível, entretanto, viver uma personagem por muito tempo, sem sucumbir ao
peso de tudo o que foi reprimido nesse caminho. A verdade pulsa, clama por se
revelar, pois dela depende nossa sobrevivência, nossa saúde, nossa qualidade de
vida. Quanto mais sufocamos aqui dentro o que lateja e luta para sair, mais
adoecemos, mais nos machucamos e menos nos entregamos aos encontros verdadeiros
– aqueles que limpam nossa alma e clareiam nossa semeadura -, afastando-nos de
quem nos aceita no que – e pelo que – somos.
Precisamos
primeiramente ser sinceros conosco, construindo e elaborando nossas crenças e
pontos de vista, de forma que nos fortaleçam e nos tornem mais gente, mais
humanos, capazes de atingirmos positivamente a vida dos outros com nossas
verdades. Porque, caso nos posicionemos de maneira arrogante, visando apenas a
propósitos egoístas, estaremos centrados em afirmações unidirecionais, vazias
de sentido. Atravessar nossa lida de forma solitária poderá até nos encher a
conta bancária, mas não nos enriquecerá de sentidos, da materialidade
sustentadora de nossa essência – e nos perderemos junto com ela. Temos que ser
em conjunto, somando, dividindo e compartilhando, pois assim cresceremos, pois
assim seremos a lembrança estampada nos sorrisos de quem amamos em vida, quando
nos formos.
Imprescindível,
para tanto, ouvir o que o outro tem a dizer, por mais que discordemos daquilo,
pois mudar de opinião refletidamente também é sinal de inteligência, ou mesmo
questão de sobrevivência. É preciso que saibamos nos libertar de convicções que
machucam e ferem a dignidade alheia, para que o raio de nossas ações não se
torne ensurdecedor, a ponto de ficarmos cegos frente aos sentimentos que não
são nossos e perdidos, sozinhos, num caminhar que nos subtrai, nos endurece e
nos distancia de tudo o que a vida tem a nos oferecer. Como se diz, afinal,
ninguém é uma ilha.
Uma
coisa é certa: a sinceridade absoluta não existe, pois ela acabaria nos sendo
tão nociva quanto a falsidade. Devemos, portanto, ser verdadeiros em relação
àquilo que nos impele a lutar pelo que queremos de forma ética, que nos
sustenta durante os naufrágios emocionais, que nos torna capazes de recomeçar,
de acreditar, de apoiar, que nos força a enfrentar corajosamente as injustiças
ao nosso redor e os fantasmas dentro de nós. Somente a sinceridade nos deixa
prontos para amar e ser amados, para compartilhamos nossas vidas e
experenciarmos o prazer e a felicidade a que todos temos direito.
Porque
as mentiras são como os muros: elas poderão de início até nos proteger, mas
inevitavelmente também nos isolarão, inclusive de nós mesmos, a ponto de não
mais nos reconhecermos. Infelizmente, afastar-se de si mesmo implica afastar-se
de todas as chances de ser e de fazer alguém feliz – e isso ninguém deveria
merecer em vida.
"Escrever é como compartilhar olhares, tão
vital quanto respirar".
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