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dentro da mente de um estuprador
Encontrar
o perfil do criminoso sexual é decisivo para a elucidação de casos como o do
ataque aos turistas em uma van, no Rio de Janeiro. Em comum, todos têm a
capacidade de conviver em família sem serem notados, a disposição para usar
extrema violência e o hábito de sempre voltar a atacar
Cecília
Ritto, do Rio de Janeiro
Wallace
Aparecido Souza Silva, de 22 anos, e Jonathan Foudakis de Souza, de 20, são
acusados de estuprar uma americana dentro de uma van na Lapa (Pâmela
Oliveira)
“São
agressores que não escondem a identidade porque, para eles, essa é a utilidade
da mulher. Eles escolhem locais seguros. São pessoas que convivem bem na
sociedade, mas sempre vendem a fama de machão”, afirma Ilana Casoy,
especialista em traçar o perfil psicológico de criminosos.
Perversos
a ponto de destroçar a capacidade das vítimas de buscar justiça, os crimes
sexuais são permanentemente catalogados e estudados pela psicologia forense.
Nenhuma das explicações que a ciência encontra para esse tipo de violação, no
entanto, serve para tirar os estupradores do grupo mais abjeto de agressores de
que se tem notícia. Acima de todas as classificações possíveis, sustenta-se
inabalável a certeza de que, entre outros traços, os autores de crimes sexuais
desprezam a condição humana das vítimas, são capazes de recorrer à violência
extrema e sempre voltam a atacar – sem remorsos.
O
estupro é um crime de repetição. Mesmo com o medo que inibe as vítimas, bastou
a exibição dos rostos de três dos criminosos que atacaram uma americana e seu
namorado francês, dentro de uma van no Rio de Janeiro, na semana passada, para
outras duas mulheres procurarem a polícia. Até o momento, além da estudante de
21 anos, duas brasileiras também reconheceram os criminosos e os acusaram de estupro
– houve outras seis denúncias de assaltos. O caso teve repercussão
internacional e chocou os policiais pelo grau de crueldade e frieza dos
bandidos. A jovem teve as mãos presas por braçadeiras plásticas, e o namorado,
também manietado, era obrigado a assistir à cena. Quando virava a cabeça para
não testemunhar a barbárie, era espancado no rosto, a ponto de ter fratura nos
ossos da face.
“Eles,
com certeza, não estavam só preocupados com a gratificação sexual”, afirma
Ilana Casoy, especialista em traçar o perfil psicológico de assassinos e autora
de livros sobre a mente de criminosos. Entre outras investigações, Ilana ajudou
nos casos do maníaco de Guarulhos (SP), do maníaco de Contagem (MG) e no de
Suzane von Richthofen.
O
trabalho de especialistas em psicologia e no comportamento dos criminosos tem
importância para além das necessidades acadêmicas. A partir do conhecimento do
perfil dos estupradores é possível direcionar a investigação e avançar na
coleta de provas. A ciência agrupa os estupradores em cinco grandes categorias.
A forma de atuação dos homens presos por violentar a estudante americana -
Wallace Aparecido Souza Silva, de 22 anos, Jonathan Froudakis de Souza, de 19,
e Carlos Armando Costa dos Santos, de 21 – os coloca provavelmente, segundo Ilana
Casoy, entre os criminosos chamados de 'dominadores'. “São agressores que não
escondem a identidade porque, para eles, essa é a utilidade da mulher. Eles
escolhem locais seguros. São pessoas que convivem bem na sociedade, mas sempre
vendem a fama de machão”, descreve.
A
dissecação de casos como o dos criminosos da van levou psicólogos e
investigadores a identificar padrões de ataque. Os 'dominadores' são
estupradores que querem demonstrar virilidade e superioridade. Enxergam a
mulher como uma figura submissa, com serventia exclusiva para o ato sexual
predatório. E, como têm provado as novas denúncias contra o trio já
identificado, mistura violência física e verbal e ataca em intervalos de cerca
de 20 dias. As duas outras vítimas comunicaram ter sido violentadas no dia 23
de março e no carnaval, 12 de fevereiro. A Delegacia Especial de Atendimento ao
Turista (Deat) procura outros dois envolvidos no caso – um menor de idade e um
homem branco e alto, de cerca de 24 anos.
Os
estupradores ‘dominadores’ só respondem a fatos, nunca a suposições. Por isso,
a Polícia Civil do Rio trabalha para confrontar os acusados com provas e
informações sobre o máximo possível de vítimas. O delegado Alexandre Braga
também começou a rever outras denúncias de estupro, para tentar identificar
características comuns entre os acusados e as circunstâncias do ataque.
Tipos
– Cada categoria de estuprador tem
especificidades importantes para a polícia. O tipo chamado de 'romântico' tem
como característica o hábito de procurar as mesmas vítimas. E essa é uma arma
para a polícia, que tenta emboscar o criminoso em uma das investidas
reincidentes. Os casos investigados levam a crer que geralmente são homens
solteiros, de poucos amigos, e que procuram dar ao crime características de um
encontro. “É o único tipo de criminoso contra o qual a mulher ainda tem chance
de reagir, pois diante de uma reação desesperada, ele é capaz de largá-la”, diz
Ilana. Os ataques dos ‘românticos’ ocorrem geralmente em intervalos de uma ou
duas semanas.
Conhecidos
pela violência, os 'vingadores' têm por principal objetivo machucar a vítima. É
um homem que sofreu, ou pelo menos imagina ter sofrido alguma injustiça de uma
mulher. Quase sempre esse estuprador conhece a vítima e ataca em intervalos
maiores, a cada seis meses ou um ano. “Para estes, o sexo é uma agressão,
momento no qual ele mostra raiva e humilha a vítima”, observa Ilana. Já o tipo
'sádico' tem potencial para se tornar um serial killer. Em geral, sabe escapar
da polícia e dificilmente tem antecedentes criminais.
Alguns apresentam
transtornos psiquiátricos, planejam o crime com cautela e erotizam a violência.
“Ele vai aumentando o grau de violência em relação à vítima até a hora em que a
mata”, afirma. Foi esse o caso do maníaco do parque – que confessou ter
estuprado e matado dez mulheres em 1998 na região do Parque do Estado, na
capital paulista –, que agia sempre da mesma forma e terminava matando as
vítimas. Os investigadores concluíram que o objetivo dele era machucar as
mulheres, a quem culpava pela disfunção erétil.
O
quinto tipo é o ‘oportunista’, cuja motivação inicial não era estuprar. Isso
acontece em casos de assalto a residências. O objetivo do crime é apenas se
apropriar de objetos de valor, mas o criminoso enxerga na situação indefesa da
mulher a oportunidade para o abuso sexual.
Especialistas
são taxativos ao dizer que o estuprador - de qualquer tipo - não é
necessariamente um criminoso com problemas psicológicos. Atos como o de cortar
ou desligar o telefone da vítima, imobilizar com uso de cordas, adotar rituais
como o de dar banho na vítima não significam necessariamente transtornos. Em
vez disso, indicam o grau de experiência do criminoso.
Maníaco do Parque
Francisco
de Assis Pereira, conhecido como o Maníaco do Parque, matou sete mulheres por
estrangulamento depois de estuprá-las, em 1998, em São Paulo. Em nove meses
cometendo crimes, o Maníaco do Parque se transformou no serial killer de maior
fama do Brasil. Muitas vezes ele usou como chamariz a proposta de fotografar
ensaios de mulheres para levá-las à mata do Parque do Estado de São Paulo.
Quando conseguia, espancava e estuprava a vítima e, em seguida, estrangulava
até a morte. Após um interrogatório de três dias, o Maníaco do Parque confessou
ter matado dez mulheres.
"Existem
muitos estupradores com transtorno de personalidade. Há os que têm anomalia na
formação da personalidade, principalmente na parte sexual. São pessoas
inseguras, sem capacidade de conquistar uma mulher e, normalmente, acham que o
desempenho sexual é ruim. Ele só consegue ter sexo à força, nunca em uma
relação de igualdade”, explica Miguel Chalub, professor de psiquiatria da UERJ.
Dentro
do universo de estupradores com patologia, a mais comum é a psicopatia. O
psicopata tem como principal característica a falta de culpa e de remorso. É
uma pessoa sem empatia em relação a outros seres humanos e incapaz de prever as
consequências dos seus atos. “Toda doença mental é multifatorial. Grande parte
dos psicopatas apresenta transtorno de conduta quando criança. São pessoas que
viviam em ambientes violentos e socioeconomicamente ruins, sem a figura de uma
pessoa cuidadora. Além dos fatores ambientais, há também os biológicos, mas
para estes as pesquisas ainda estão em fase inicial”, diz o psiquiatra Antônio
de Ávila Jacintho, pesquisador do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da
Unicamp.
A
recuperação de um criminoso sexual por tratamento psiquiátrico existe, mas não
é simples nem usual. Além de dispendioso, é dificílimo tratar alguém que não
acredita ter culpa, ou sequer considera que cometeu um crime, afirmam os
especialistas. Entre os profissionais dedicados a esse tipo de tratamento, é
infinitamente maior a preferência por atender as vítimas, não os autores. O
resultado é o esperado: estupradores, depois de algum tempo presos, voltam para
as ruas e cometem outros abusos.
A
saída não está, portanto, em práticas ou políticas de tratamento, mas na
eficácia das investigações, nas estatísticas criminais e na segurança pública –
todas deficientes na maior parte do país. “Hoje, no Brasil, são oferecidas
drogas anti-impulsivas e psicoterapia comportamental. A eficiência é limitada.
Acho excelente a terapia hormonal, como nos Estados Unidos. É uma alternativa
que se deveria considerar. Mas aqui todos os que se dizem politicamente
corretos atacariam a ideia”, afirma o psiquiatra José Geraldo Taborda, da
Associação Brasileira de Psiquiatria. Em parte dos estados americanos, é
permitida a castração química, na qual se injeta hormônios que bloqueiam a
testosterona, tornando um abusador contumaz alguém sem capacidade ou ímpeto
para cometer ataques.
Nos
Estados Unidos, além das formas de punição, a sociedade civil passou a adotar a
prática de difundir informações sobre os condenados por crimes sexuais – em
especial os de pedofilia. Sites que oferecem dados de criminosos sexuais em
liberdade condicional informam endereço, nome e até exibem fotografias dos
abusadores. Na Califórnia, onde uma lei proíbe que um criminoso sexual
condenado viva a menos de 600 metros de parques públicos, moradores começaram a
adotar um procedimento curioso: com pedidos às autoridades locais, são
construídos pequenos parques para ocupar áreas como terrenos, sobras de terreno
e outros espaços públicos. Assim, empurram para longe de suas casas os condenados
por estupro, pedofilia ou outros abusos.
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